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Supernova

[Escrita Criativa]

Texto escrito em 08/11/2024

Quando eu era criança, eu tinha um vizinho que vivia dizendo que o irmão dele ia construir um foguete. Éramos todos crianças na vizinhança, de oito, nove, dez anos, no máximo. Esse em questão tinha nove, como eu, e o irmão mais velho tinha dezesseis. Apareceu no parquinho falando que o irmão ia construir um foguete e ia pro espaço ano que vem.

Eu até acreditei na hora, mas quando deitei pra dormir não conseguia parar de pensar nisso. Como ele construiria um foguete? Ora, primeiro, ele precisaria ter conhecimento básico de mecânica. Talvez o pai dele pudesse ajudar nisso. Eu nunca soube sua profissão, mas tinha uma caixa de ferramentas. Mas, mesmo assim, projetar um foguete não é simples mecânica. Você precisa saber astronomia. Se juntar os dois acho que vira engenharia aeroespacial, e essa faculdade só deve ter no exterior. Mas vamos dizer que ele conseguiu o telefone de algum gringo que tenha um diploma nisso, ele ainda precisaria dos materiais. E isso ia levar a um problema ainda maior: o espaço. Não o sideral, o espaço onde ele ia guardar todas essas tralhas pra fazer o foguete. Nunca vi um foguete pessoalmente, e nunca fui muito boa em estimar medidas, mas, mesmo aos nove anos, eu já sabia que um foguete era, com certeza, maior que a casa dele.

Era bobagem! Talvez ele pudesse construir um foguete de LEGO. Isso eu entenderia. Mas se era sobre esse tipo de foguete que meu amigo estava falando, eu já conseguia pelo menos chutar que o pai deles não era mecânico, porque esse é o tipo de exagero que você só consegue aprender com quem trabalha com vendas.

Decidi que eu enfrentaria meu vizinho. Estava cansada dele mentindo para todos há semanas!

No dia seguinte, esse meu vizinho apareceu dizendo que o irmão dele tinha ido embora de foguete na noite anterior. Joguei areia na cara dele e saí batendo o pé. Quando cheguei em casa, minha mãe estava contando pro meu pai que a mãe da Aninha disse que a mãe da Flavinha ouviu da mãe do Toninho que a mãe da Paulinha tinha ouvido da dona Mirtes, que não tinha filhos, mas era muito ativa na vizinhança, que ela ouviu o rapaz gritando com os pais e indo embora.

Tudo que eu conseguia pensar era no foguete.

O irmão mais novo disse que o mais velho tinha um plano, nos contou no topo do trepa trepa. Primeiro, visitaria Marte, é claro, porque é mais perto. Depois Júpiter. Os outros planetas acho que ele não sabia o nome. Aparentemente, o rapaz vivia falando pros pais que queria ir embora, e, pro irmão, que ia sair do planeta, que achava que tinha coisas muito legais para fazer longe do nosso bairro, coisas que não eram ir ao cinema no shopping.

No auge dos meus nove anos, o desaparecimento do rapaz que estava construindo um foguete balançou meu mundo. Talvez eu estivesse ficando velha para acreditar nessas coisas, mas também lia livros demais. Fiquei tão encucada com a questão do foguete que pedi para a minha mãe um livro de astronomia de Natal.

De repente, eu queria construir um foguete. Ir para longe. Olhava para as estrelas e me perguntava onde o céu acabava, se era na esquina com o mercado, que nem minha rua, ou quando a aula de português começava, que nem a aula de química. Conversava com meus amigos e me perguntava se aquilo era tudo que se tinha a dizer. Andar pela rua da minha casa se tornou um pesadelo porque, não importa o quanto eu andasse, eu nunca acabaria num lugar diferente de onde eu estava. Quando eu não conseguia dormir, pensando em como até meus sonhos estavam batidos, eu pensava no irmão desse meu vizinho. A essa altura, eu sabia que ele não tinha ido embora de foguete. Tinha ido, no máximo, de Sandero.

Perto da minha formatura do ensino médio, parei de conseguir prestar atenção. Conversar, pensar, interagir, estudar… nada mais funcionava. Acho que minha mente já tinha feito sua própria viagem intergaláctica e estava só esperando meu corpo.

Não passei na faculdade, não construí um foguete, e nem tenho um Sandero. Eu consigo sentir minha mente numa galáxia distante, brilhando, me esperando. Penso cada vez mais nesse irmão do meu antigo vizinho, cuja família nem mora mais no bairro há anos. Espero que ele tenha conseguido chegar no espaço. No fundo, sei que ele devia se sentir como eu, como se a cabeça dele fizesse parte de uma constelação que ele precisava catalogar sozinho. Espero, de verdade, que ele tenha conseguido ver essa constelação e alcançado essa estrela dele antes de virar uma supernova dentro do seu quarto.